quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Depoimento de um jovem carmense

Goiânia (GO), 16 de novembro de 2.009.

Olá Evandro,

Meu nome é Bruno, sou natural de Carmo da Mata e recentemente adquiri seu livro “Lembranças do Exílio - Chile, Panamá, República Democrática Alemã”, tendo terminado de lê-lo no último domingo.
Digo-lhe que foi, realmente, uma leitura muito agradável. Além da biografia desmaquiada de um verdadeiro e autêntico exilado político, o seu livro apresenta-se também como uma fonte de fatos históricos vistos e vividos de perto por quem se dispôs a relatá-los. É experiência pura, sentida na própria pele, o que deixou seu livro muito mais interessante, e me levou a algumas reflexões.
Pertencemos a gerações diferentes. Tenho vinte e cinco anos e já nasci quando a abertura política e a chamada “redemocratização” do Brasil estavam para acontecer. Assim como você, acredito que o capitalismo, nos moldes em que se apresenta atualmente, já se demonstrou totalmente incapaz de atender aos anseios do bem comum e implantar a pretensa harmonia social. Um sistema político, cuja ideologia se funda na exploração econômica de uma classe social sobre a outra, e cujo fruto mais palpável é a desigualdade social, mantenedora da violência urbana, da miséria e da prostituição infantil, não pode ser outra coisa senão um sistema fracassado. Também acredito que o Socialismo é, sem sombra de dúvidas, o único caminho que levará à satisfação plena dos anseios sociais, mas para isso, deverá haver uma ruptura dos valores atualmente infiltrados em nossa sociedade, como mencionado pelo senhor no livro, com ênfase para o desenvolvimento sustentável, racional, e isto somente ocorrerá através da educação e acesso à cultura.

Durante a leitura do seu livro, fiquei pensando nas diferenças existentes entre a sua geração e a minha. Na sua época, vocês tinham um “inimigo” comum, concreto, palpável, que atendia pelo nome de “ditadura militar” (ou militares), bem como tinham também um objetivo bem traçado: restaurar a ordem democrática, a dignidade humana e os direitos individuais fundamentais, através de adoção de um sistema político mais justo e humanitário: o Socialismo.
Atualmente, a minha geração vive sob a égide de uma Constituição Federal que, no papel, nos garante tudo isso. Temos a chamada liberdade de imprensa, “sem censura”, que nos possibilita ouvir e comprar todo tipo de música que desejarmos, do axé ao funk. Não há policiais nos batendo só porque usamos uma camisa com o rosto do Che Guevara exibido na frente. E mais: podemos votar livremente no PT, no PSOL, PSTU, em branco ou em quem quisermos.
Parece que minha geração desfruta da tal sonhada LIBERDADE. Mas não é bem assim, Evandro. Somos todos cegos, como diz Saramago, “cegos que não vêem. Cegos que, vendo, não vêem.”
O grande problema é que o nosso “inimigo”, se assim o podemos chamar (eu acho que podemos) já não é mais tão palpável e concreto. Encontra-se diluído não só na esfera pública, mas também na sociedade privada, naquela pequena parcela que detém todo o poder econômico, e que o exerce para satisfazer suas pretensões particulares. Não o enxergamos, e temos a sensação de que ele não existe. Mas não me engano, ele (ou eles) está(ão) por aí.
Toda vez que os direitos constitucionais mais básicos são desrespeitados, alguém com certeza está lucrando do outro lado. E para que serviu a Constituição Federal de 1988? Para aplacar a insatisfação popular contra um regime em decadência, sem implantar necessariamente aquilo que se encontra em seu texto. Assim é muito fácil.
O que me impressiona e me indigna é como a atual geração de jovens se sujeita tão passivamente a tamanhas injustiças.
E o que dizer das chamadas “liberdade de imprensa” e “liberdade de expressão”? A imprensa só é livre para publicar e dar conhecimento de fatos da forma que aos verdadeiros donos do poder interessa. A Verdade, hoje, não passa de uma moeda de troca que os meios de comunicação utilizam para angariar cada vez mais investimentos publicitários. A “liberdade de expressão”, por sua vez, representa a grande falácia de nosso atual modelo democrático. Como pode haver liberdade de expressão, se o que se “expressa” nos meios de comunicação são sempre as mesmas coisas? Os mesmos artistas, cantando as mesmas canções, utilizando as mesmas roupas, com os mesmos discursozinhos? Não há espaço para seguimentos culturais alternativos, artistas com propostas diferentes. Não há abertura para renovação ou contestação. É tudo um padrão só.
E é neste padrão de valores que minha geração vem sendo moldada. A banalização da injustiça, a informação e o conhecimento estabelecidos de acordo com aqueles que detêm o poder econômico, estabelecendo a formação cultural dos membros de nossa sociedade (principalmente crianças e jovens). Tudo isso fundado nos valores de uma falsa liberdade que o sistema capitalista-consumista nos impõe.
A conseqüência não podia ser outra: UMA GERAÇÃO ALIENADA, moldada pelo sistema como se fôssemos produtos de uma fábrica de tijolos. Todo mundo igualzinho, bonitinho, certinho, sem arestas, sem qualquer característica que venha a nos identificar como um ser social complexo e capaz de sustentar uma visão crítica e questionadora da realidade que nos circunda. Somos e estamos do jeito que nos querem., como tijolos, bem fácil de manipular.
Mas a esperança, como diz Platão, é que governa mais que tudo os espíritos vacilantes dos mortais. E a esperança que nos traz seu livro é justamente de que os valores possam, gradualmente, serem modificados, e a humanidade perceba, por si mesma e naturalmente, que um planeta inchado e cheio de feridas como o nosso somente nos suportará por mais algum tempo se tivermos o bom senso de implantarmos em nossa vida, em nossa sociedade, os valores do verdadeiro e puro socialismo, calcados nos desenvolvimento sustentável, na dignidade da pessoa humana e na igualdade de condições e oportunidades de vida. Esta é a utopia que espero ver minha geração tentando alcançá-la no horizonte.

Parabéns pelo livro e, principalmente, pela coragem que teve de viver a vida.

Abraços,

Bruno Ribeiro Marques.

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